Em março de 2020, mais precisamente a 02 de março chegou oficialmente a Portugal a Pandemia de Covid-19, com a confirmação dos dois primeiros casos positivos.
O vírus espalhou-se rapidamente por todo o país e a 18 de março de 2020, o Governo decretou o estado de emergência. Foram impostas medidas rigorosas como confinamento obrigatório, encerramento de escolas, teletrabalho, encerramento de estabelecimentos e limitações à circulação de pessoas.
Ao longo de dois anos, mais de 3 milhões de pessoas foram infetadas e foram registadas quase 21 mil mortes devido à doença. Foram realizados cerca de 35 milhões de testes e administradas 22 milhões de vacinas a quase nove milhões de portugueses.
Portugal enfrentou várias vagas de contágios, com períodos de grande pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde e momentos de rigoroso confinamento.
A pandemia marcou a vida de todos, trazendo novos desafios e mudando hábitos do dia a dia da população portuguesa.
Uns meses antes de tudo isto se desencadear, em agosto de 2019, começou a surgir um ligeiro inchaço na minha face do lado direito, o que me levou a pensar em algo relacionado com algum problema a nível de gengivas ou dentes. Uma consulta ao meu dentista despistou de imediato essa suspeita a consultar um especialista, que por palpação suspeitou tratar-se de um tumor.
Na altura, os meus níveis de ansiedade e preocupação atingiram valores astronómicos, ainda que, para os meus mais próximos tenha tentado disfarçar e minimizar receios. Tinha muito caminho para fazer, e mais ainda para aprender sobre a minha doença.
O prognostico era, no entanto, positivo pois, como em mais de 95% dos casos semelhantes ao meu, o tumor seria benigno. Estava localizado na parótida direita, glândula que até essa altura me tinha passado despercebida. Para ser honesto, acho que nunca tinha ouvido falar sobre a parótida.
A parótida é uma glândula que tens de cada lado da cara, mesmo à frente e um bocadinho por baixo das orelhas e que tem como função principal produzir saliva.
Uma cirurgia que deveria ter sido mais simples, acabou por se complicar. O cirurgião deparou-se com uma lesão bastante mais profunda e, como se viria a verificar no exame histológico, de natureza maligna.
Diagnostico: carcinoma dos ductos salivares da parótida direita .
Tive alta 24h após a cirurgia, com muito poucas dores, o que de certa forma surpreendeu o cirurgião, pois tinha-me retirado uma parte considerável da bochecha direita.
Passo seguinte: 30 sessões de radioterapia. Segundo o que aprendi, a quimioterapia não produz efeito sobre este tipo de carcinoma.
Diria que tudo decorreria de forma mais ou menos normal, não fora a cirurgia e, posteriormente, a radioterapia, ocorrerem precisamente quando estávamos a atravessar o novo normal referido no início deste já longo texto.
De facto, devido a esse novo normal, não pude ser acompanhado por ninguém aquando do internamento, pois o acesso ao hospital estava restringido apenas a doentes. Igualmente não haveria visitas, e todos, sem exceção, usavam as famosas máscaras cirúrgicas ou do tipo FFP2/FFP3/N95 (fui pesquisar). Sim, e também usavam e abusavam do álcool-gel, com pelo menos 70% de concentração de álcool.
Aparentemente, uma situação que por si só já me teria deixado de rastos, viu-se agravada por todos estes extras. No entanto, acho que a peculiaridade de tudo o que se passou devido ao covid, acabou por atenuar, psicologicamente, ajudando a lidar de forma mais positiva com a doença e ajudando a encarar o processo de cura como uma batalha a vencer. Até porque, comparado com as descrições que tínhamos da pandemia e das mortes por ela provocadas, a minha doença era minimizada.
Saliento que a família e amigos desempenharam um papel fundamental para manter uma vontade irredutível em ultrapassar tudo e resolver o problema.
Para encurtar um pouco esta parte, fui submetido a teste para deteção do covid antes da cirurgia e depois a cada segunda-feira quando iniciei as sessões de radioterapia. Felizmente sempre com resultados negativos o que permitiu que levasse as sessões de seguida até ao fim.
Dessa época guardo a memória do tempo passado no hospital onde todos os cuidados eram levados ao extremo para que a pandemia não entrasse, as sessões de radioterapia, onde tudo era cuidadosamente esterilizado e desinfetado entre cada paciente, e sobretudo os inúmeros testes ao covid a que fui submetido, no parque de estacionamento junto à foz do rio Trancão, onde estava uma unidade móvel de rastreio e que funcionava ao estilo drive-in.
Apesar das adversidades e dos momentos de incerteza que vivi durante a pandemia — entre cirurgias, tratamentos e o mundo a reinventar-se — aprendi a reconhecer pequenas vitórias e o valor da resiliência. O desafio obrigou-me a olhar para a saúde, para a vida e para os outros de outra forma, com mais empatia, gratidão e esperança.
Nem sempre controlamos o que nos acontece, mas podemos escolher como enfrentamos cada dificuldade. Foi nas rotinas interrompidas, nos receios partilhados (ou escondidos) e nos sorrisos que persistiram em tempos difíceis, que encontrei motivação para continuar.
Convido-te a continuar a acompanhar o blog. Juntos, podemos partilhar experiências que demonstram o poder de superar, aprender e — acima de tudo — continuar a acreditar que, mesmo nos dias cinzentos, é possível encontrar luz. Volta sempre.
I'll be back!!!
ResponderEliminarZé Nunes:)
ResponderEliminar"Nem sempre controlamos o que nos acontece, mas podemos escolher como enfrentamos cada dificuldade" - Verdade. E isso, na maioria das vezes, faz toda a diferença.
ResponderEliminarPaulo é com dor, que leio as tuas palavras mas feliz pela tua coerência, compreensão e força. Tenho como sabes um grande carinho por toda a tua família. E o teu caso não poderia deixar de me tocar muito, até porque já vivi bem de perto essas experiências.
ResponderEliminarO meu pai com câncer nos intestinos e uma bolsa de colostomia e depois o meu irmão com 48 anos, com o mesmo diagnóstico. São perdas irreparáveis...
Quando vejo alguém, que encara a doença com a força que tu tens ou aparentas ter e que consegue reerguer se desse "pesadelo", fico muito feliz.
Desejo te muita força e muita Fé sempre!
Beijinho grande.